Barrando o Crescimento
Continuação da "Breve Análise do Mercado de Seguros"
Além de todos os fatores apresentados no artigo anterior - todos eles dependentes de forças externas, o ecossistema que forma o setor de seguros no Brasil convive com uma série de barreiras que podem afetar negativamente seu potencial de crescimento. Os mais notáveis, no nosso ponto de vista, estão relacionados com os Padrões, Processos e Sistemas que suportam suas operações.
Nossos padrões favorecem (ou tentam privilegiar) o controle em detrimento da agilidade. Geram burocracia e uma contra-partida muito pobre. Ainda não há no mercado de seguros algo parecido com o SPB (Serviço de Pagamentos Brasileiro). A pressão por governança e um gerenciamento de riscos mais efetivo deve mudar essa situação. Falava-se que a FENASEG lançaria uma clearing já em 2007, que atuaria exclusivamente na regulação de sinistros. O fato é que as iniciativas parecem desaclopadas. E pouco discutidas. Não sabemos, por exemplo, as razões pelas quais a adoção do padrão ACORD não é sequer debatida no Brasil. No último mês de outubro aconteceu o II Insurance IT Meeting, no Rio de Janeiro. O principal tema do encontro foi a Padronização de Processos. É um passo.
Mas a questão que mais nos preocupa e que de certa forma deu origem ao Projeto InsHub diz respeito aos Sistemas. Na seqüência deste trabalho apresentaremos o projeto de forma detalhada. Mas cabe aqui ressaltar que o InsHub pode ser uma resposta tanto para os problemas enfrentados por uma seguradora quanto para um grupo de seguradoras e corretoras. Eventualmente, para todo o ecossistema. Soa ambicioso mas esperamos que no decorrer do documento nossa 'grande dúvida' fique bem explicada.
Mas, afinal, quais são os problemas com os sistemas?
Contos da Cripta
Para ilustrar bem alguns dos principais problemas vamos contar duas pequenas histórias. De terror:
Era uma vez uma média-grande seguradora. O ciclo de vida de seus produtos, assim como de todas as suas co-irmãs, é de 30 dias. Ou seja, a cada mês há um ciclo de atualização de praticamente todos os itens de sua carteira de produtos. A área de negócios - os designers dos produtos - tem até o oitavo dia para definir todas as alterações necessárias. Seu trabalho é baseado em estatísticas duramente arrancadas de alguns pobres-caros sistemas de Inteligência Corporativa (ou BI - Business Intelligence), além dos requisitos que chegam do mercado e através do órgão regulador. As alterações são passadas para a área de TI em formulários que lembram 'ordens de serviço' mal estruturadas. TI tem até o dia 15 para entregar TODAS as alterações. Sabe aquele filme, "O Dia dos Mortos-Vivos"? A coisa é parecida. Em algumas seguradoras existem mais de 15 sistemas a serem alterados! O módulo de emissão de apólices, o programinha utilizado pelo 'telemarketing', os 'kits de cálculo' que são enviados para corretores, o portal da web, DLL's que são enviadas para parceiros, etc etc. Por algum motivo que todo mundo sabe mas ninguém explica, cada programinha está codificado numa linguagem diferente. Tem COBOL, VB, Java, PHP, ASP, C#, Clipper (clipper?!?!) ETC etc.
As duas áreas se unem para testar TUDO até o dia 22. Sabe aquele "A Noite dos Mortos-Vivos"? Quase igual, até porque ninguém tem hora para ir embora nessa fase. E tem gente que acha que só controlador de vôo sofre muito para trabalhar. O fato é que entre o dia 22 e o final do mês TUDO tem que estar pronto para entrar no ar. Os 'kits' são distribuídos via CD ou pela web. O resto normalmente vai no dedo mesmo. Apesar dos corretores estarem cada vez mais simpáticos aos canais on-line, as seguradoras seguem lidando com uma multidão de mortos-vivos.
Agora o outro lado da moeda (do mal):
Era uma vez uma pequena-média corretora de seguros. Tem 19 funcionários, sendo 15 corretores, uma secretária, uma governanta (aquela do cafezinho), um estagiário (aquele) e um boy. Cada corretor tem seu micro e eles ficam o dia todo conectados. Os cinco corretores 'sênior' utilizam laptops de última geração. Os outros ralam com desktops de quatro anos de idade (no mínimo). Alguns rodam Windows 98, outros tentam rodar Windows XP. Um deles ouviu falar em Linux. É começo de mês. Um daqueles monstrinhos que nasceu na história anterior chegou via correio. O chefão pega o envelope, lê a revistinha e passa o CD para o estagiário: "Instale em todas as máquinas". Era para ser algo trivial se a corretora não trabalhasse com outras 10 seguradoras! São 10 CDs todo mês! 10 monstrinhos que vivem brigando com o Windows 98, com o XP e principalmente entre si. Departamento de suporte daquela empresa da história anterior: "Ah, eles atualizaram a DLL 'accesseverynothing'. Assim nosso kit não pode funcionar mesmo! Faz o seguinte, desinstala o deles e instala o nosso de novo..."
Em nenhum outro lugar o termo "DLL Hell" faz tanto sentido. Mesmo quando os 'kits' são baixados via Internet. Não faz diferença. Por isso (e pelas compensações financeiras), alguns corretores passaram a privilegiar os canais on-line. Aí o problema muda de cara e nome: passa a ser "Escalabilidade".
No Brasil existem cerca de 72.400 corretores ativos. Contando seus funcionários e adicionando os outros parceiros das seguradoras (normalmente bancos, concessionárias de veículos, lojas de departamentos, oficinas, prestadores de serviços, a turma da 'vistoria' etc), podemos estar falando de um universo de quase 500 mil usuários! Lógico, cada seguradora lida com uma pequena fatia dessa população. Ainda assim, é número que deixa qualquer 'portal' com o reset na mão. Mas há também o outro lado da moeda (que não escala).
Nosso corretor-herói, como falamos acima, trabalha com 10 seguradoras. Quando ele ou seu cliente está com muita pressa, ele faz a cotação em 3 seguradoras. Ou seja, digita 3 vezes praticamente as mesmas informações. Nos 'kits de cálculo' off-line ou em sites. São interfaces, conceitos e termos que mudam. Mesmo que se proponham a executar a mesmíssima tarefa: uma cotação. Um minúsculo universo daqueles 70 e tantos mil corretores tentou contornar esse cúmulo do desperdício com interfaces multi-cálculo. Todos com procedimentos e resultados um tanto questionáveis. Afinal, como integrar aquilo que muitas vezes não é integrado nem mesmo em uma única seguradora?
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Alguns dados relevantes:
Além de todos os fatores apresentados no artigo anterior - todos eles dependentes de forças externas, o ecossistema que forma o setor de seguros no Brasil convive com uma série de barreiras que podem afetar negativamente seu potencial de crescimento. Os mais notáveis, no nosso ponto de vista, estão relacionados com os Padrões, Processos e Sistemas que suportam suas operações.
Nossos padrões favorecem (ou tentam privilegiar) o controle em detrimento da agilidade. Geram burocracia e uma contra-partida muito pobre. Ainda não há no mercado de seguros algo parecido com o SPB (Serviço de Pagamentos Brasileiro). A pressão por governança e um gerenciamento de riscos mais efetivo deve mudar essa situação. Falava-se que a FENASEG lançaria uma clearing já em 2007, que atuaria exclusivamente na regulação de sinistros. O fato é que as iniciativas parecem desaclopadas. E pouco discutidas. Não sabemos, por exemplo, as razões pelas quais a adoção do padrão ACORD não é sequer debatida no Brasil. No último mês de outubro aconteceu o II Insurance IT Meeting, no Rio de Janeiro. O principal tema do encontro foi a Padronização de Processos. É um passo.
Mas a questão que mais nos preocupa e que de certa forma deu origem ao Projeto InsHub diz respeito aos Sistemas. Na seqüência deste trabalho apresentaremos o projeto de forma detalhada. Mas cabe aqui ressaltar que o InsHub pode ser uma resposta tanto para os problemas enfrentados por uma seguradora quanto para um grupo de seguradoras e corretoras. Eventualmente, para todo o ecossistema. Soa ambicioso mas esperamos que no decorrer do documento nossa 'grande dúvida' fique bem explicada.
Mas, afinal, quais são os problemas com os sistemas?
Contos da Cripta
Para ilustrar bem alguns dos principais problemas vamos contar duas pequenas histórias. De terror:
Era uma vez uma média-grande seguradora. O ciclo de vida de seus produtos, assim como de todas as suas co-irmãs, é de 30 dias. Ou seja, a cada mês há um ciclo de atualização de praticamente todos os itens de sua carteira de produtos. A área de negócios - os designers dos produtos - tem até o oitavo dia para definir todas as alterações necessárias. Seu trabalho é baseado em estatísticas duramente arrancadas de alguns pobres-caros sistemas de Inteligência Corporativa (ou BI - Business Intelligence), além dos requisitos que chegam do mercado e através do órgão regulador. As alterações são passadas para a área de TI em formulários que lembram 'ordens de serviço' mal estruturadas. TI tem até o dia 15 para entregar TODAS as alterações. Sabe aquele filme, "O Dia dos Mortos-Vivos"? A coisa é parecida. Em algumas seguradoras existem mais de 15 sistemas a serem alterados! O módulo de emissão de apólices, o programinha utilizado pelo 'telemarketing', os 'kits de cálculo' que são enviados para corretores, o portal da web, DLL's que são enviadas para parceiros, etc etc. Por algum motivo que todo mundo sabe mas ninguém explica, cada programinha está codificado numa linguagem diferente. Tem COBOL, VB, Java, PHP, ASP, C#, Clipper (clipper?!?!) ETC etc.
As duas áreas se unem para testar TUDO até o dia 22. Sabe aquele "A Noite dos Mortos-Vivos"? Quase igual, até porque ninguém tem hora para ir embora nessa fase. E tem gente que acha que só controlador de vôo sofre muito para trabalhar. O fato é que entre o dia 22 e o final do mês TUDO tem que estar pronto para entrar no ar. Os 'kits' são distribuídos via CD ou pela web. O resto normalmente vai no dedo mesmo. Apesar dos corretores estarem cada vez mais simpáticos aos canais on-line, as seguradoras seguem lidando com uma multidão de mortos-vivos.
Agora o outro lado da moeda (do mal):
Era uma vez uma pequena-média corretora de seguros. Tem 19 funcionários, sendo 15 corretores, uma secretária, uma governanta (aquela do cafezinho), um estagiário (aquele) e um boy. Cada corretor tem seu micro e eles ficam o dia todo conectados. Os cinco corretores 'sênior' utilizam laptops de última geração. Os outros ralam com desktops de quatro anos de idade (no mínimo). Alguns rodam Windows 98, outros tentam rodar Windows XP. Um deles ouviu falar em Linux. É começo de mês. Um daqueles monstrinhos que nasceu na história anterior chegou via correio. O chefão pega o envelope, lê a revistinha e passa o CD para o estagiário: "Instale em todas as máquinas". Era para ser algo trivial se a corretora não trabalhasse com outras 10 seguradoras! São 10 CDs todo mês! 10 monstrinhos que vivem brigando com o Windows 98, com o XP e principalmente entre si. Departamento de suporte daquela empresa da história anterior: "Ah, eles atualizaram a DLL 'accesseverynothing'. Assim nosso kit não pode funcionar mesmo! Faz o seguinte, desinstala o deles e instala o nosso de novo..."
Em nenhum outro lugar o termo "DLL Hell" faz tanto sentido. Mesmo quando os 'kits' são baixados via Internet. Não faz diferença. Por isso (e pelas compensações financeiras), alguns corretores passaram a privilegiar os canais on-line. Aí o problema muda de cara e nome: passa a ser "Escalabilidade".
No Brasil existem cerca de 72.400 corretores ativos. Contando seus funcionários e adicionando os outros parceiros das seguradoras (normalmente bancos, concessionárias de veículos, lojas de departamentos, oficinas, prestadores de serviços, a turma da 'vistoria' etc), podemos estar falando de um universo de quase 500 mil usuários! Lógico, cada seguradora lida com uma pequena fatia dessa população. Ainda assim, é número que deixa qualquer 'portal' com o reset na mão. Mas há também o outro lado da moeda (que não escala).
Nosso corretor-herói, como falamos acima, trabalha com 10 seguradoras. Quando ele ou seu cliente está com muita pressa, ele faz a cotação em 3 seguradoras. Ou seja, digita 3 vezes praticamente as mesmas informações. Nos 'kits de cálculo' off-line ou em sites. São interfaces, conceitos e termos que mudam. Mesmo que se proponham a executar a mesmíssima tarefa: uma cotação. Um minúsculo universo daqueles 70 e tantos mil corretores tentou contornar esse cúmulo do desperdício com interfaces multi-cálculo. Todos com procedimentos e resultados um tanto questionáveis. Afinal, como integrar aquilo que muitas vezes não é integrado nem mesmo em uma única seguradora?
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Alguns dados relevantes:
- O mercado de seguros deve fechar o ano de 2006 movimentando mais de R$ 60 bilhões em prêmios líquidos emitidos.
- São aproximadamente 110 seguradoras, sendo que as 5 maiores são responsáveis por 60% do faturamento do setor.
- Os 72.400 corretores devem repartir quase R$ 10 bilhões em comissões.
- SE as seguradoras seguirem o padrão observado em outras instituições financeiras, o investimento do setor de seguros em TI é de aproximadamente R$ 4,2 bilhões.